domingo, 19 de abril de 2009

Retratos

E é assim que chegas, encharcado nas roupas que já mal te servem, rasgadas e muribundas; Com um ramo de rosas secas e já despidas; Com o coração dissecado e caído a teus pés. E é assim que chegas e entras no meu espaço, pé ante pé, por entre a nesga da porta, sabendo que eu nunca a fechei. Tropeças no escuro, tropeças no silêncio, tropeças no receio e... Cais. Acendes uma vela e corres, num acto que te pintou inútil. Sabias onde me encontrar. Sentada num cadeirão branco bordado a oiro e cetim; Cabelos de trigo vagueando pela noite; Inalando o fumo de uma cigarrilha, fazendo par com um maravilhoso baileys, cortando o frio à Lua. E é assim que chegas, sem cumprir quaisquer regras Bobone, infringindo a lei e tudo o que é mais sagrado. Em gestos visuais verbalizo num tom ensurdecedor e dono de si mesmo, que já ansiava a tua chegada. Decido, então, caiar a tua cara com um intenso sabor a nicotina enquanto deixo a minha obscuridade soltar gargalhadas sarcásticas que ecoam por todo o quarto. Abandonas-me embebida no meu temeroso escárnio, enquanto procuras debruçado entre benesses, incertezas, despedidas, no chão negro do meu quarto. Lanço-te um olhar apinhado de uma dor que concede prazer, para o local onde procuravas as tuas estéreis promessas. Abres as portas do meu armário e deparas-te com o nosso Pretérito Perfeito organizado por datas, sentenças e acontecimentos. Não sei se desolado, se transtornado, abdicas da minha presença e desapareces pela intensa neblina que se instalou. Resolvida comigo mesma e num parecer vitorioso, fecho a porta que tantas vezes se encontrou encostada, à tua espera.

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